terça-feira, 29 de abril de 2025

The Wild Flowers

Formada em Wolverhampton, cidade industrial no coração das Midlands inglesas, The Wild Flowers surgiu em 1983 como parte daquela geração de bandas pós-punk que começavam a trilhar caminhos além das sombras de Joy Division e Echo & The Bunnymen. 

A formação original contava com Neal Cook (vocais e guitarra), Dave Newton (guitarra), Mark Alexander (baixo) e Dave Fisher (bateria). Seu som unia a introspecção melódica do pós-punk à energia mais solar e melódica que já apontava para o indie pop britânico que viria nos anos seguintes. 

O disco de estreia, The Joy of It All, saiu em 1984 pelo pequeno selo Reflex Records – um trabalho ainda bastante ancorado nas paisagens sonoras melancólicas típicas do pós-punk do interior inglês. Dele saíram os primeiros singles: "Melt Like Ice" (1983) e "Things Have Changed" (1984), mostrando um grupo que equilibrava densidade emocional e ambições pop.

Pouco depois, o guitarrista Dave Newton deixa a banda para formar os The Mighty Lemon Drops, grupo que ganharia projeção como uma das promessas da cena neo-psicodélica britânica. Em seu lugar entra Dave Atherton, e a banda continua sua jornada lançando Dust em 1987, disco do qual se destacam os singles "It Ain't So Easy" (1985) e "A Kind of Kingdom" (1986). Nesse momento, o som da banda já flertava com o college rock americano e a transição para um som mais limpo e direto era perceptível. 

Em um movimento inusitado para bandas britânicas daquele período, o Wild Flowers decide mirar o mercado norte-americano. Em 1988, tornam-se a primeira banda britânica contratada pelo selo californiano Slash Records, conhecido por lançar nomes como X, The Germs e Violent Femmes

Por lá lançam Sometime Soon (1988), disco que marca a fase mais americana da banda, com uma sonoridade mais próxima ao jangle pop e ao alternative rock da costa oeste. Em 1990, consolidam essa estética com Tales Like These, que os levou a turnês pelos EUA e aparições em rádios universitárias.

Após um hiato, ainda lançariam um último álbum em 1997, Backwoods, um trabalho mais maduro, com forte influência do rock alternativo dos anos 90 e arranjos que mesclavam guitarras etéreas com uma pegada folk introspectiva.

Apesar de nunca terem alcançado o estrelato, The Wild Flowers representam uma ponte rara entre o pós-punk britânico das Midlands e a cena college rock americana – uma trajetória que merece ser redescoberta, especialmente por quem busca sons que habitam as margens entre o underground europeu e o alternativo estadunidense. 

Discografia

1984: The Joy of It All  

1987: Dust

1988: Sometime Soon

1990: Tales Like These

1997: Backwoods   

Singles

1983: "Melt Like Ice"
1984: "Things Have Changed"
1985: "It Ain't so Easy"
1986: "A Kind of Kingdom"
1988: "Broken Chains"
1988: "Take Me for a Ride"

The Joy Of It All, Secondary, 2 of 6


Spasmodic Caress

Entre as sombras do final dos anos 70 e início dos 80, surgia o Spasmodic Caress, banda inglesa de pós-punk/new wave que floresceu fora do eixo convencional de Manchester ou Londres. Formado por Peter Masters, o grupo fincou raízes na cena independente do leste da Inglaterra, circulando ativamente por cidades como Essex, Ipswich, Colchester e, claro, Londres , no qual dividiram palco com nomes hoje históricos.

A notoriedade do Spasmodic Caress atingiu um pico importante em 1980, quando gravaram a faixa “Hit the Dead” para a lendária coletânea Presage(s), lançada em vinil 12” pelo então incipiente selo 4AD Records. A compilação foi um marco da estética pós-punk britânica, crua, melancólica, instável e reuniu também Modern English, In Camera e Bauhaus, que, à época, ainda eram apenas apostas do underground. O grupo participou de vários shows promovidos pela 4AD em Londres, consolidando seu lugar no mapa de uma cena ainda em ebulição. 

Além da faixa presente na versão física, o grupo gravou também “Register of Electors”, registrada nas mesmas sessões e posteriormente incorporada à versão digital da coletânea uma joia rara redescoberta por colecionadores do selo.

Musicalmente, o Spasmodic Caress transita entre a rigidez do art punk e as atmosferas desoladas típicas do pós-punk minimalista, com letras carregadas de tensão urbana e niilismo suave. Sua sonoridade lembra por vezes o The Sound em seus momentos mais contidos, ou o Wire da fase Chairs Missing, sem perder um toque de originalidade marginal. 

Com o fim da banda por volta de 1984, o baixista Peter Ashby seguiu explorando as fronteiras da música experimental ao lado de Barry Lamb, fundando o The Insane Picnic, projeto ainda mais radical em sua abordagem DIY e eletrônica caseira.

Pouco lembrado nas narrativas canônicas do pós-punk britânico, o Spasmodic Caress é daqueles nomes que brilham à margem, símbolo de uma época em que as bandas não precisavam de grandes contratos para existir, apenas de ideias, fita magnética e noites longas em clubes de província.

Discografia

Hit the Dead" track on Presage(s) 12" (4AD) 1980

Hillside `79 cassette only release (Falling A) 1983

Fragments of Spasmodic Caress CD (Falling A ) 2004  

Fragments Of Spasmodic Caress, Primary, 1 of 3

 


The Glove- Projeto do Robert Smith e Steven Severin

 Em 1983, dois ícones do pós-punk britânico, Robert Smith, do The Cure, e Steven Severin, do Siouxsie and the Banshees, uniram forças em um raro momento de escape criativo, resultando no efêmero porém fascinante projeto The Glove. O único fruto dessa parceria foi o álbum Blue Sunshine, lançado naquele mesmo ano, envolto em psicodelia sombria, delírios lisérgicos e um certo caos criativo.

A gênese do projeto se deu num período conturbado para ambos os músicos. Em meados de 1982, Smith estava à beira de um colapso mental após o lançamento de Pornography, o álbum mais sombrio do Cure até então. O clima dentro da banda era de tensão extrema, agravado por abusos químicos e brigas internas  culminando na saída do baixista Simon Gallup. 

Quase ao mesmo tempo, Severin via os Banshees desmoronarem temporariamente quando o guitarrista John McGeoch sofreu um colapso nervoso em pleno giro pela Europa. McGeoch foi desligado, e Smith, já familiarizado com os Banshees (ele havia substituído John McKay na turnê Join Hands em 1979), assumiu as guitarras e foi oficialmente integrado à banda em novembro de 1982.

A parceria criativa entre Smith e Severin floresceu no final daquele ano. O primeiro registro que fizeram juntos foi "Punish Me with Kisses", ainda sem pretensão de formar um projeto paralelo. A ideia do The Glove, nome tirado da luva voadora do filme animado Yellow Submarine, dos Beatles, ganhou forma durante os meses seguintes, enquanto Siouxsie e Budgie se ausentavam da Inglaterra para gravar como o duo The Creatures.

Durante o processo de criação de Blue Sunshine, o clima era tudo, menos convencional. Smith descreveu as sessões como "irreais": "Passamos 12 semanas no estúdio, mas gravamos por apenas cinco dias. O resto foi uma festa interminável, com gente entrando e saindo, como uma estação de trem. Entre uma bebedeira e outra, gravávamos trechos de piano ou bateria". As madrugadas eram preenchidas por maratonas de video nasties, filmes de horror italiano de diretores como Dario Argento, censurados no Reino Unido na época. 

Como Robert Smith estava legalmente impedido de cantar fora do Cure (restrição contratual que só viria a comentar abertamente anos depois), quem assumiu os vocais principais foi Jeanette Landray, ex-dançarina do Zoo e ex-namorada de Budgie. Smith, no entanto, aparece cantando em duas faixas: "Perfect Murder" e "Mr. Alphabet Says", essa última, com letra escrita por Severin.

A atmosfera do disco é uma mescla de psicodelia distorcida, ecos pós-punk e lirismo perturbador, com produção que oscila entre a espontaneidade e o delírio. O elenco de apoio também inclui nomes notáveis: Andy Anderson (futuro baterista do Cure), Martin McCarrick (colaborador de Marc Almond e futuro membro dos Banshees), além das violinistas Ginny Hewes e Anne Stephenson.

O The Glove durou pouco. A divulgação se limitou a uma apresentação no programa Riverside da BBC em outubro de 1983. Smith retornou ao Cure, Severin aos Banshees, e a luva flutuante sumiu no éter.

Mais de duas décadas depois, em 2006, o álbum foi reeditado em versão dupla, incluindo demos inéditas com vocais originais de Smith um verdadeiro tesouro para os fãs. Em 2013, Blue Sunshine ganhou uma reedição limitada em vinil azul, celebrando o Record Store Day.The Glove permanece como um projeto lateral sui generis, nascido do colapso e da fuga criativa, deixado à deriva entre as sombras do pós-punk e o espectro colorido da psicodelia sinistra.

Discografia

Blue Sunshine (1983, Polydor) 

Singles

 "Like an Animal"           (1983)

"Punish Me with Kisses" (1983)

Blue Sunshine, Primary, 1 of 9

 

domingo, 27 de abril de 2025

The Very Things

The Very Things é uma banda inglesa de pós-punk com fortes influências dadaístas, surgida em Redditch, Worcestershire, em 1983. Ativa até 1988, a banda ficou anos adormecida até surpreender em 2024 com a inesperada reunião e o lançamento do novo álbum, Mr Arc-Eye.

A história do The Very Things começa com o fim dos Cravats, outro nome essencial do pós-punk britânico. Com a dissolução do grupo em 1982, o guitarrista Robin Raymond (também conhecido como Robin R. Dalloway) e o baixista/vocalista The Shend (nome artístico de Chris Harz, também chamado Chris Shendo) decidiram seguir adiante, dando vida a uma nova entidade sonora. 

Para a formação inicial, recrutaram o baterista Gordon Disneytime (Robin Holland) e o baixista Jim Davis (ex-guitarrista da banda local CKV), que participou apenas dos primeiros shows. Em seguida, quem assumiu o baixo foi Steven Burrows (Fudger O'Mad ou Budge), também conhecido por seu trabalho no And Also the Trees.

Nos primórdios, o The Very Things também contava com uma animada seção de metais, com músicos como Vincent Johnson, John Graham, Robert Holland e Paul Green, ampliando ainda mais o experimentalismo sonoro do grupo. 

O single de estreia, "The Gong Man", saiu em novembro de 1983 pelo lendário selo Crass Records  uma conexão direta com a cena anarquista do período. No ano seguinte, já com contrato com a Reflex Records, lançaram o marcante "The Bushes Scream While My Daddy Prunes". Essa faixa, que beira o surrealismo sonoro, inspirou até um curta-metragem exibido no programa The Tube, da Channel 4.

O primeiro álbum, The Bushes Scream While My Daddy Prunes, foi lançado em agosto de 1984. Logo depois, o grupo reduziu-se ao trio essencial. Ao longo dos anos seguintes, lançaram diversos singles e EPs, mantendo o espírito irreverente e inventivo, ainda que enfrentando contratempos, como o cancelamento do lançamento de sua versão para "There's a Ghost in My House", de R. Dean Taylor, devido à concorrência inesperada de uma versão gravada pelo The Fall

Em 1988, o The Very Things se dissolveu oficialmente. No entanto, antes da separação, deixaram pronto o material que daria origem ao álbum Motortown, lançado posteriormente pela One Little Indian Records, trazendo uma inesperada influência Motown ao seu som.

Em 1994, a Fire Records reeditou os álbuns originais e uma coletânea de faixas não incluídas em álbuns  mantendo vivo o legado da banda no circuito underground. 

O grupo também gravou duas memoráveis sessões para John Peel uma em 1983 e outra em 1987,além de emplacar faixas como "The Bushes Scream While My Daddy Prunes" e "This Is Motortown" no lendário Festive Fifty da BBC.

Após o fim do The Very Things, The Shend formou outra banda chamada Grimetime, antes de iniciar uma carreira paralela como ator, participando de séries britânicas como EastEnders, Red Dwarf, The Bill, Men Behaving Badly e Torchwood

Agora, décadas depois, o retorno do The Very Things com Mr Arc-Eye prova que o espírito dadaísta e anárquico da banda segue tão afiado quanto nos dias em que os arbustos gritavam enquanto papai podava.

Discografia

The Bushes Scream While My Daddy Prunes (1984)

Live at The Zap Club, Brighton (1987)

Motortown (1988)  

It's a Drug, It's a Drug, It's a Ha Ha Ha, It's a Trojan Horse Coming Out of the Wall (1994)

The Very Things, Primary, 1 of 1

 

The Transmitters

 The Transmitters, Primary, 1 of 6

The Transmitters foi uma banda britânica de art rock e pós-punk ativa do final dos anos 1970 até o fim da década de 1980. Misturando punk, jazz e psicodelia, o grupo foi constantemente elogiado pela crítica, mas, como tantas outras pérolas do underground, nunca atingiu sucesso comercial significativo.

Formada em Ealing, no oeste de Londres, em 1977, a formação original trazia John Quinn (vocal, também conhecido como John Clegg ou John X), Sam Dodson (guitarra), Simon "Sid" Wells (baixo), Amanda de Grey (teclado), Jim Chase (bateria) e Dexter O'Brian (letrista, verdadeiro nome Christopher McHallem). Em suas apresentações, guitarristas como Steve Walsh (Manicured Noise) e John Guillani (The Decorators) também passaram pela banda.

O single de estreia, "Party", saiu em 1978 pelo selo Ebony Records, seguido rapidamente pelo álbum 24 Hours. A energia caótica e imprevisível da banda os levou a dividir palco com nomes como The Police, The Human League, Scritti Politti, The Birthday Party, The Slits, Alternative TV e The Fall

Em 1979, gravaram a primeira John Peel Session, consolidando ainda mais sua reputação no circuito alternativo. No mesmo ano, lançaram os singles "Nowhere Train" e o EP "Still Hunting for the Ugly Man", este último chegando ao segundo lugar nas paradas alternativas da Our Price.

Críticos como Paul Morley (NME) e Chris Westwood (Record Mirror) não pouparam elogios, comparando a sonoridade dos Transmitters a bandas como The Fall, XTC, Magazine e This Heat, destacando também o carisma e a performance excêntrica de John Quinn, descrito como uma mistura de Mark E. Smith com Dave Allen

Após um breve fim em 1980, os integrantes se reorganizaram sob o nome Transmitters Presumed Dead, misturando membros de bandas como Missing Presumed Dead e contando com Tim Whelan (depois no Furniture e no Transglobal Underground) nos vocais. Essa fase logo evoluiu para uma nova formação dos Transmitters, agora com Rob Chapman (ex-Glaxo Babies) nos vocais, lançando o segundo álbum And We Call That Leisure Time em 1981 pela Heartbeat Records.

Durante os anos 1980, a banda passou por inúmeras mudanças de formação, e mesmo flertando com a world music e a eletrônica, manteve o espírito livre e experimental. Entre seus colaboradores, aparecem nomes como Dave "Mud-Demon" Muddyman (posteriormente no Loop Guru) e o produtor Bob Sargeant (também conhecido como "Hand of Borgus Wheems"). 

Apesar do fim definitivo em 1989, a influência dos Transmitters reverberou: Tim Whelan e Hamilton Lee lançaram o Transglobal Underground; Sam Dodson e Dave Muddyman criaram o cultuado Loop Guru, além de outros projetos como Slipper, Thaw e Loungeclash. Muitos integrantes também se envolveram com o inusitado projeto de música árabe e klezmer The Flavel Bambi Septet no início dos anos 1990.

Em 2007, os Transmitters reuniram-se para o lançamento da coletânea I Fear No One, incluindo sua primeira Peel Session, e tocaram no Inn on the Green, em Londres, com uma formação próxima da original. 

Com sua sonoridade anárquica, misturando ironia, psicodelia e crítica social, The Transmitters permaneceram como um dos grandes segredos guardados do underground londrino  um daqueles grupos que, se você conhece, sabe que pertence a um clube muito especial.

Nightingales

 Pigs On Purpose, Primary, 1 of 4

Formados em 1979 em Birmingham a partir dos remanescentes do The Prefects, os Nightingales surgiram como uma das bandas mais autênticas da cena pós-punk inglesa. Ao longo dos anos 80, liderados pelo carismático Robert Lloyd, conquistaram status cult com sua sonoridade crua e suas letras afiadas, ganhando forte apoio de John Peel.

Com passagens pela Rough Trade e Cherry Red Records, lançaram três álbuns essenciais: Pigs on Purpose (1982), Hysterics (1983) e In The Good Old Country Way (1986), além de acumularem mais sessões para a BBC Radio 1 do que quase qualquer outra banda da época. Após o encerramento em 1986, Lloyd seguiu em carreira solo, enquanto os ex-integrantes dispersaram em projetos paralelos e novos caminhos de vida.

O renascimento da banda em 2004 trouxe uma nova energia. Com discos como Out of True e No Love Lost, e participações em festivais como Glastonbury e SXSW, os Nightingales mostraram que a chama nunca se apagou. Trabalhando de maneira independente, lançaram For Fucks Sake e Mind Over Matter, reafirmando seu espírito livre e provocador.

Nessa nova fase, a banda reafirmou seu compromisso com a independência artística. Trabalhando fora das grandes gravadoras e ignorando convenções comerciais, lançaram discos como For Fucks Sake (2014) e Mind Over Matter (2015), materiais que mantêm viva a chama da honestidade crua e da criatividade livre que sempre os guiou. Com shows enérgicos pelo Reino Unido, Europa e EUA, os Nightingales conquistaram uma nova geração de ouvintes, bem como mantiveram antigos fãs.

O reconhecimento mais amplo de sua trajetória veio em 2021 com o lançamento do documentário King Rocker, dirigido por Michael Cumming e apresentado pelo comediante Stewart Lee. O filme traça o caminho improvável de Robert Lloyd e sua banda sempre à margem das tendências, mas com uma integridade inabalável que poucos de sua geração podem reivindicar. 

Os Nightingales permanecem como uma prova viva de que a verdadeira essência do pós-punk nunca esteve nas listas de sucesso, mas sim na resistência feroz e na capacidade de permanecer relevante, mesmo quando o mundo ao redor muda. Uma banda feita para aqueles que preferem a verdade crua à embalagem plástica e que, décadas depois, ainda soa tão necessária quanto antes.

Discografia – Álbuns de Estúdio 

  • Pigs on Purpose (1982)

  • Hysterics (1983)

  • In the Good Old Country Way (1986)

  • Out of True (2006)

  • What's Not to Love? (2007) (mini-álbum, mas frequentemente listado entre os álbuns de estúdio)

  • Insult to Injury (2008)

  • No Love Lost (2012)

  • For Fucks Sake (2014)

  • Mind Over Matter (2015)

  • Perish the Thought (2018)

  • Four Against Fate (2020)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Spherical Objects

Spherical Objects foram uma das bandas mais experimentais da cena pós-punk de Manchester,formada por Steve Solamar (Guitarra, Vocais), John Bisset Smith (Guitarra),Frederick Burrows (Baixo),Duncan Prestbury (Teclados) e Roger Hilton (Bateria) pertencendo a um coletivo musical que também contou com grupos como The Passage, Steve Miro & The Eyes, Tirez Tirez e Grow Up

Todas essas bandas estavam sob o selo Object Music, que funcionava mais como uma espécie de coletivo do que como uma gravadora tradicional, com músicos compartilhados entre os projetos. De fato, a Manchester Musicians Collective foi co-fundada por Dick Witts, do The Passage, o que reflete a natureza colaborativa e experimental da cena.

O líder e alma da banda foi Steve Solamar (nome verdadeiro Steve Scrivener), um compositor único, cujas letras e estilo vocal característicos dividem opiniões: ou "terríveis", ou, pelo menos, "idiossincráticos" 

Em 1978, a banda gravou seu primeiro LP, Past And Parcel, mas foi com os álbuns Elliptical Optimism (1979) e Further Ellipses (1980) que alcançaram seu auge criativo. O primeiro ainda trazia influências do punk e do garage rock dos anos 60.

Further Ellipses representa uma evolução, com o distanciamento do som DIY e uma forte ênfase nas melodias de sintetizador ultra-românticas (como nas faixas "The Final Part" e "The Root"), além de uma pitada de melancolia na guitarra latina e uma produção mais polida. No entanto, faixas como Set Free revelam uma forte influência do gospel e do rhythm and blues, um aspecto incomum para uma banda britânica de pós-punk da época.

Em 1980, Steve Solamar se uniu a Steve Miro, formando os Noyes Brothers, um projeto mais experimental que resultou no álbum duplo Sheep From Goats. Esse trabalho se distanciava das suas produções anteriores, explorando formas ainda mais incomuns de música experimental. 

Além disso, Solamar se envolveu com outros projetos como Warriors e Alternomen Unlimited, enquanto John Bisset Smith também tocou com o Grow Up, todas essas bandas gravando sob o selo Object Music.

Após 1981, pouco se soube sobre Steve Solamar ou os outros membros da banda. Solamar passou por uma transformação de gênero e, logo após o lançamento de No Man's Land, desfez os Spherical Objects e abandonou o selo Object Music, desejando uma mudança radical em sua vida.  

Duncan Prestbury seguiu sua carreira como professor no Manchester College (anteriormente City College Manchester) e se envolveu com Nu-Jazz. Ele também co-fundou as produtoras ganzfeldmusic e FireTrain Music. Entre 2008 e 2010, o selo LTM realizou uma extensa reedição do catálogo do selo Object Music, incluindo versões em CD de todos os quatro álbuns dos Spherical Objects, além da coletânea dos Noyes Brothers.

Discografia

Past And Parcel  ( 1978) 

The Kill/The Knot  (7", 1978)

Seventies Romance/Sweet Tooth  (7", 1979)

Objectivity The Object Singles Album (v.a, coletânea, 1979 )

Elliptical Optimism  (LP, 1979) (CD, 2008)

Further Ellipses  (LP, 1980) (CD, 2008) 

No Man's Land   (LP, 1981) (CD, 2008)

Spherical Objects, Primary, 1 of 1

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Au Pairs- Pós-punk de Birmingham

Formado em Birmingham em 1978, o Au Pairs foi um dos nomes mais incisivos da leva pós-punk britânica. Liderado pela poderosa e carismática Lesley Woods, descrita certa vez como “uma das mulheres mais marcantes do rock britânico”. O grupo existiu até 1983, deixando dois álbuns de estúdio, três singles e um rastro de provocações afiadas contra as normas de gênero e a política sexual da época.

O primeiro disco do Au Pairs, Playing with a Different Sex (1981), é considerado um clássico do pós-punk direto, seco e desconfortável. Faixas como “It’s Obvious” e “We’re So Cool” zombam do teatro relacional moderno com ironia cortante, enquanto “Armagh” denuncia com veemência a repressão britânica aos prisioneiros republicanos na Irlanda do Norte, com o refrão ácido: “we don’t torture”. Não havia espaço para meias-palavras. 

A banda chegou a ser filmada ao vivo em 1980 no cultuado documentário-concerto Urgh! A Music War, que eternizou várias pérolas underground da época.O segundo álbum, Sense and Sensuality (1982), mergulhou em experimentações com soul, funk, disco e jazz. Embora ousado, o disco não teve a mesma recepção crítica do anterior, talvez por suavizar um pouco as arestas do som direto e angustiado do debut.

Em 1983, após a saída da baixista Jane Munro, a banda recrutou Nick O'Connor (baixo, piano e sintetizadores), Jayne Morris (percussão e vocais), Graeme Hamilton (trompete) e Cara Tivey (teclados adicionais). Um terceiro álbum, que seria produzido por Steve Lillywhite, chegou a ser cogitado, mas nunca foi gravado. O fim veio logo depois, marcado, segundo Woods, pelo desgaste emocional de enfrentar um ambiente musical ainda profundamente hostil às mulheres.

Após o Au Pairs, Woods ainda montou um grupo só de mulheres, o The Darlings, mas acabou deixando o mundo da música. Hoje, sob o nome Lesley Longhurst-Woods, atua como advogada em Londres. O guitarrista Paul Foad lançou um livro didático sobre técnica de guitarra (The Caged Guitarist, 2000), Jane Munro virou terapeuta alternativa em Birmingham, e o baterista Pete Hammond segue como músico e professor de percussão. 

A crítica da época não ficou indiferente. Em 1981, Robin Denselow, do The Guardian, exaltava as letras do grupo como "ferozes, bem observadas, sobre a vida contemporânea, o amor e o papel da mulher". Na mesma época, durante a turnê americana da banda, o jornalista Richard Cromelin relatou a recepção calorosa do público no Whisky a Go Go, como se estivessem dizendo a Woods: “relaxa, você já mandou muito bem”.

A historiadora Gillian G. Gaar, no livro She’s a Rebel: The History of Women in Rock and Roll (2002), destacou a composição mista da banda como algo revolucionário. Mais do que só levantar bandeiras, o Au Pairs era um experimento vivo de colaboração e fricção entre gêneros, ritmos, ideias e corpos. 

Discografia

Playing with a Different Sex (1981) 

Sense and Sensuality (1982)

Singles

"You" / "Domestic Departure" (1980 )

It's Obvious" / "Diet" (1981)

"Inconvenience" / "Pretty Boys" (1981)

 

The Psylons- ( Portsmouth ) sul da Inglaterra

Formada em Portsmouth, no sul da Inglaterra, em 1984, a banda The Psylons emergiu como uma voz singular dentro do espectro do pós-punk britânico dos anos 80. Com uma sonoridade que transitava entre o experimentalismo tenso e paisagens sonoras densas e atmosféricas, o grupo era composto originalmente por Keith Wyatt, Carl Edwards, Jack Packer e Warren Grech.

Seu single de estreia, “Run To The Stranger”, chamou atenção logo de cara: foi escolhido como Single of the Week pela New Musical Express (NME) e alcançou a 13ª posição nos charts alternativos/indie da época  um feito significativo para uma banda de base completamente underground. 

Os Psylons lançaram, ao todo, quatro singles, um EP e dois álbuns completos. O segundo disco, intitulado “Gimp”, teve produção de Jim Shaw, integrante do Cranes banda com quem também dividiram palcos e afinidades estéticas, notadamente no uso de texturas melancólicas e estruturas não convencionais.

O reconhecimento do grupo não se limitou à crítica impressa: eles gravaram duas sessões para a BBC Radio One, uma para o lendário John Peel (fiel cartógrafo do underground britânico) e outra para Andy Kershaw, outro nome de peso na curadoria da música alternativa nos anos 80. Essas sessões ajudaram a ampliar o alcance do som hipnótico e por vezes dissonante dos Psylons, inserindo-os num circuito de culto que reverberava para além de Portsmouth. 

Nos anos seguintes, a banda se manteve ativa no circuito alternativo, fazendo inúmeros shows e abrindo para nomes de peso como The Fall, My Bloody Valentine, Cranes, Spiritualized e Moonshake um rol de artistas que, como os Psylons, estavam empenhados em desafiar os limites do rock tradicional com abordagens mais ruidosas, etéreas ou introspectivas.

Apesar das várias mudanças de formação ao longo dos anos, os Psylons continuaram sua jornada sonora até sua dissolução em 1995. O legado da banda, embora discreto, permanece como uma joia esquecida do pós-punk inglês, especialmente relevante para quem busca explorar além dos nomes consagrados. 

Após o fim da banda, o vocalista e multi-instrumentista Keith Wyatt seguiu carreira solo sob o nome Keith Seatman, aprofundando sua exploração de paisagens sonoras eletrônicas, hauntológicas e de estética retrofuturista, bastante em sintonia com a tradição experimental inglesa.

Discografia

Psylons Is Golden cassette 1988

Gimp CD 1994

Singles

"Run to the Stranger" / "Tumbling Clown" 7” single 1986

"Mockery of Decline" / "Clearer Sky" 7” single 1986  

All the Things We Need" / "Turning Worm" / "The Midnight Sun" 12” single 1987

No Choice" / "Surf Song" 7” single 1990

Sandman" / "Driver" / "Sandman" remix 12” EP 1991

The Psylons, Primary, 1 of 2

The Sinking Ships - Pós-punk de Wragby em Lincolnshire (Inglaterra)

Pouco lembrada fora dos círculos mais obscuros da música underground britânica, a banda The Sinking Ships (às vezes chamada apenas de Sinking Ships) emergiu no final dos anos 1970 com uma proposta sonora típica da efervescência pós-punk da época, melancólica, crua e instintiva. Formada no outono de 1979 na pequena cidade de Wragby, em Lincolnshire (Inglaterra), o grupo surgiu a partir das cinzas das bandas Berlin e Stress, reunindo os músicos Simon Brighton, Terry Welbourn, Colin Hopkirk e Nick Green.

Logo no início, em 1980, contribuíram com duas faixas para a obscura coletânea Household Shocks, dedicada a novos nomes da cena new wave e pós-punk local. Após esse lançamento, Hopkirk deixou o grupo. Na primavera do mesmo ano, gravaram o single "The Cinema Clock" / "Strangers", um compacto que se tornaria cult décadas depois.

 Nesse período, a formação da banda cresceu brevemente para seis integrantes antes de voltar a um trio em 1981, quando lançaram o compacto "Dream" / "After the Rain – Live" pelo selo Recession. Pouco depois, a banda se dissolveu. Apesar de sua trajetória breve e discreta, os Sinking Ships ainda se reuniriam ocasionalmente: uma primeira vez em 1987 e outra em 1998, apenas para algumas apresentações pontuais.

A redescoberta do grupo ganhou fôlego a partir de 2018, com o lançamento do EP ao vivo Playground Studios, Wragby, 1980, inicialmente publicado em sua página no Bandcamp e depois relançado em 2021 com o título Smiles and Guns EP. Nesse mesmo ano, a banda disponibilizou a coletânea The Cinema Clock ...And Other Stories, reunindo várias faixas de sua breve, mas intensa, passagem pela cena independente.

Em fevereiro de 2022, foi a vez de resgatar as gravações demo feitas no inverno de 1981–1982, logo após a primeira dissolução do grupo, compiladas no disco Post Sinking Ships Demos 1981. Poucos meses depois, veio Sinking Ships Live! 1981, com registros de performances em escolas e colégios de arte, preciosidades cruas da era DIY britânica. 

Já em junho de 2022, o grupo liberou o single "Over the Edge" / "History", com gravações de 1987 que surpreendem por sua sonoridade mais pop, destoando do típico pós-punk soturno que marcava seu repertório original.

Curiosamente, foi só em 2019 que os Sinking Ships chamaram a atenção de uma nova geração de ouvintes e da internet. Tudo começou quando a faixa "Strangers" apareceu na misteriosa mixtape Societas X Tape, criada pelo enigmático duo escocês Boards of Canada para a NTS Radio.  

O nome da banda, no entanto, não foi revelado na transmissão, o que levou muitos a especular sobre a origem da canção. A comunidade "lostwave", conhecida por investigar músicas obscuras e sem identificação, mergulhou de cabeça na busca.

Alguns chegaram até a sugerir que os autores de "Strangers" poderiam ser os mesmos da lendária "The Most Mysterious Song on the Internet", depois identificada como "Subways of Your Mind", do grupo Fex, devido à semelhança vocal e ao clima envolto em mistério. No entanto, após investigações, o próprio Simon Brighton veio a público esclarecer: o Sinking Ships nada teve a ver com Subways, pondo fim ao boato. 

Com esse revival inesperado, a história dos Sinking Ships voltou à tona e mostrou que mesmo as bandas com vidas breves podem deixar marcas duradouras no subterrâneo da música alternativa. Uma pequena cápsula do tempo, afundada nos anos 80 e redescoberta décadas depois.

Discografia

Sinking Ships Live! – 1981 (2022)

Playground Studios, Wragby, 1980. (2018) Ep

Singles

"The Cinema Clock" b/w "Strangers" (1980)

"Dream" b/w "After the Rain (Live)" (1981)

"Over the Edge"/"History" (2022, recorded in 1987)

Coletâneas 

The Cinema Clock ...And Other Stories (2021)

Post Sinking Ships Demos 1981 (2022) 

The Cinema Clock And Other Stories...., Primary, 1 of 1

Second Layer- Projeto do Adrian Borland do The Sound

O Second Layer foi um projeto pós-punk britânico formado em 1979 por Adrian Borland (vocais e guitarra) e Graham Bailey (baixo, teclados e programação de bateria), ambos também integrantes da lendária banda The Sound. Mas se engana quem espera aqui uma simples extensão da sonoridade da banda-mãe.

Logo em seu primeiro EP, Flesh as Property (1979), lançado pela obscura Tortch Records, o duo já deixava claro que a proposta era outra: mais fria, minimalista e impessoal, com camadas densas de sintetizadores e batidas mecânicas. No ano seguinte, eles aprofundaram ainda mais essa estética com o segundo EP, State of Emergency (1980). 

O único álbum de estúdio, World of Rubber, gravado na França e lançado em 1981 pelo selo Cherry Red, soa como uma cápsula claustrofóbica de paranoia futurista. A instrumentação eletrônica acentua o distanciamento emocional das faixas, em contraste com a urgência humana que marcava os trabalhos do The Sound. O nome do disco já dá pistas: um mundo artificial, maleável, sem contornos definidos  uma metáfora perfeita para o sentimento de alienação que perpassa cada faixa.

Em 2015, o selo norte-americano Dark Entries resgatou o legado do projeto com uma reedição completa da discografia, incluindo cinco demos inéditas – uma verdadeira dádiva para os arqueólogos do pós-punk subterrâneo. Adrian Borland, cuja trajetória foi marcada por intensos altos e baixos, faleceu em 26 de abril de 1999. Sua obra, porém, continua entre as sombras da música alternativa.

Se o The Sound era conhecido por sua melancolia romântica e introspecção lírica, o Second Layer caminhava na direção oposta. Como bem observou o The Quietus, em uma resenha retrospectiva de 2015: “A primeira coisa que se nota ao ouvir World of Rubber é o quanto o som e a estética do Second Layer são absolutamente distintos do The Sound. 

Enquanto o The Sound explorava um lirismo sombrio e emotivo, o Second Layer elimina tudo isso, substituindo-o por uma visão monocromática e mórbida, obcecada pelos efeitos desumanizantes da guerra, pela aniquilação nuclear e pela dissolução do eu em uma sociedade cada vez mais distorcida e mediada pela tecnologia.

Andy Kellman, do AllMusic, resumiu de forma direta: Eles mantinham algo do clima do The Sound, mas de uma maneira mais fria e distante, algo esperado quando sintetizadores e baterias eletrônicas substituem os elementos humanos. O Second Layer não era apenas um projeto paralelo. Era um espelho escuro, cujo Borland e Bailey refletiam os medos mais profundos do seu tempo,e talvez, também, do nosso.

Discografia

World of Rubber (1981)

Eps

Flesh as Property E.P. (1979)

State of Emergency E.P. (1980)

World of Rubber (2015, Dark Entries Records) - coletânea

Second Layer, Secondary, 2 of 2

Nyam Nyam - Oriundos da cidade de Hull

Em meio ao caos criativo da virada dos anos 80, uma banda emergiu das margens industriais de Hull, no nordeste da Inglaterra, com uma sonoridade melancólica, minimalista e profundamente emocional. O Nyam Nyam, formado em 1979, nunca se rendeu ao brilho do mainstream – e talvez por isso permaneça uma das joias mais cultuadas e obscuras do pós-punk britânico.

Seu primeiro lançamento, o single "When We Can’t Make the Laughter Stay" (1981), já revelava o tom grave e introspectivo que se tornaria a marca da banda. A faixa chamou atenção de ninguém menos que Peter Hook, baixista do New Order e um dos grandes arquitetos do som de Manchester. Hook não apenas se declarou fã da banda, como também produziu seu segundo single, o tenso e atmosférico "Fate/Hate", lançado pelo selo Factory Benelux em 1984 uma extensão europeia da lendária Factory Records. 

O som do Nyam Nyam carregava uma influência de Joy Division e The Sound, mas também dialogava com a urgência fria de bandas como The Comsat Angels ou o minimalismo emocional do Eyeless in Gaza. Com letras marcadas pela ambiguidade emocional e arranjos que alternavam densidade e vazio, a banda firmou seu estilo próprio.

Na sequência, o grupo assinou com o selo Situation Two, uma subsidiária da Beggars Banquet, conhecida por abrigar nomes como The Fall e Bauhaus em momentos distintos. Foi por lá que lançaram seu único álbum, o subestimado e belíssimo Hope of Heaven (1984), um disco sombrio e envolvente que mergulha em atmosferas góticas sem jamais cair no pastiche. Em 1985, lançariam o EP "The Architect", encerrando sua breve discografia com mais um registro denso e de forte carga emotiva. 

Apesar do respaldo crítico, os discos não atingiram grandes números de vendas e a banda acabou sendo descartada pela gravadora um destino trágico, porém comum na cena independente da época. O vocalista e letrista Paul Trynka, após o fim do grupo, seguiu carreira como jornalista musical e chegaria a editar a influente revista Mojo, além de publicar biografias sobre ícones como Iggy Pop, David Bowie e Brian Jones.

Outro detalhe que contribuiu para o culto em torno do Nyam Nyam foram os belíssimos projetos gráficos assinados por Vaughan Oliver, do coletivo 23 Envelope, que também criou artes visuais memoráveis para selos como a 4AD. O design visual ajudava a reforçar a estética melancólica e etérea que a música da banda transmitia. 

Em 2012, a gravadora LTM Recordings resgatou a obra da banda em uma reedição remasterizada de Hope of Heaven, incluindo a maioria das faixas dos singles e um novo registro feito pela banda naquele mesmo ano: a canção inédita "Doubt". Um retorno inesperado e silencioso, como a trajetória da banda.

Hoje, Nyam Nyam permanece como um dos segredos mais bem guardados da cena pós-punk britânica. Sua curta discografia é um relicário de sentimentos densos e belas ruínas sonoras  uma trilha sonora perfeita para o lado mais escuro da alma. 

Discografia

Hope Of Heaven  1984

Singles & Eps

When We Can't Make Laughter Stay / Knowledge  1981

Fate/Hate      1984

The Architect    1985

Nyam Nyam, Primary, 1 of 1

 

 

 

 

Mass - Das Cinzas do Rema-Rema

Entre os breves lampejos da cena pós-punk britânica no início dos anos 80, o Mass permanece como uma dessas joias obscuras que, embora de vida curta, deixaram uma marca densa e reverberante. Formado por Gary Asquith, Michael Allen, Mark Cox e Danny Briottet, o grupo nasceu das cinzas do Rema-Rema, projeto seminal da 4AD que também contou com a presença de Marco Pirroni (futuro Adam and the Ants).

Em 1980, o Mass lançou seu primeiro registro: o compacto "You and I", um 7” que já exalava o clima gélido e opressivo que viria a se firmar no único álbum completo da banda. Labour of Love, lançado em 1981 também pela 4AD, foi um trabalho sombrio, minimalista e claustrofóbico.

Frequentemente comparado à intensidade existencial do Joy Division e à ferocidade dissonante do The Birthday Party. O disco chegou a figurar por cinco semanas no UK Indie Chart, atingindo a 19ª posição  um feito considerável para um projeto tão marginal e enigmático.

Labour of Love não é um álbum que busca agradar ou seguir tendências: é cru, áspero e deliberadamente anticomercial. As faixas são marcadas por linhas de baixo angulares, guitarras que mais soam como lâminas metálicas e vocais que oscilam entre o desesperado e o enigmático. Trata-se de uma obra que parece ter sido concebida nas sombras, como um desabafo sombrio de uma Londres fragmentada pós-industrial.

O Mass se dissolveu ainda em 1981, pouco depois do lançamento do LP. No entanto, seus membros seguiram caminhos que continuaram moldando os contornos do pós-punk e do underground eletrônico britânico. Michael Allen e Mark Cox fundaram o The Wolfgang Press em 1983, uma das bandas mais consistentes e inventivas do catálogo da 4AD nos anos seguintes, mergulhando em experimentações que misturavam dub sombrio e art rock. 

Gary Asquith e Danny Briottet optaram por caminhos mais voltados à cultura de rua e à fusão de gêneros, fundando o Renegade Soundwave em 1986  um grupo que incorporou elementos de industrial e dub, antecipando muito do que viria a se tornar a cultura rave nos anos 90.

O culto em torno do Mass nunca desapareceu completamente. Em 2005, Labour of Love foi relançado em CD, incluindo as duas faixas do compacto "You and I" como bônus. Em 2011, o selo francês Desire Records resgatou o álbum em vinil, ampliando seu alcance para uma nova geração de colecionadores e fãs do obscuro. 

Hoje, o Mass permanece como um elo esquecido porém essencial entre as tensões do pós-punk inaugural e os experimentos que viriam a desaguar no som mais híbrido e eletrônico da década seguinte. Um fragmento de tempo congelado em ruídos, silêncios e pulsos mecânicos que continuam a ecoar para quem se arrisca a escutar.

Discografia

Labour of Love (1981)  4AD

Singles 

"You and I"/"Cabbage" (1980), 4AD 

Mass (4), Primary, 1 of 1

quarta-feira, 23 de abril de 2025

The Lucy Show

O embrião do que viria a ser o The Lucy Show surgiu sob o nome de Midnite Movie, com Mark Bandola (vocais, guitarra, teclados) e Rob Vandeven (vocais, baixo) à frente da formação, acompanhados inicialmente pelo baterista Paul Rigby. A parceria com Rigby durou pouco, e logo a formação foi reforçada por Pete Barraclough (guitarras, teclados) e Bryan Hudspeth (bateria). Foi nesse momento que o grupo adotou o nome definitivo: The Lucy Show.

Bandola e Vandeven, dois amigos canadenses que haviam se mudado para a Inglaterra no fim dos anos 70  dividiam tanto a composição quanto os vocais principais. Ainda assim, o material inicial da banda era majoritariamente assinado por Vandeven, o que moldou o som melancólico da primeira fase.

Em 1983, a banda lançou seu primeiro single, Leonardo da Vinci, pelo selo independente Shout Records. A faixa conseguiu algum destaque ao ser tocada por John Peel na BBC. Curiosamente, foi o guitarrista Barraclough quem assumiu os vocais principais no lado B, com a faixa Kill The Beast.  

No ano seguinte, a A&M Records assinou com a banda e lançou dois singles e um EP sob o selo Piggy Bank, subsidiária da gravadora. Um momento importante aconteceu ainda em 1984, quando a banda enviou uma fita demo para o R.E.M. e acabou convidada para abrir a turnê britânica dos norte-americanos um raro reconhecimento vindo de fora do mainstream.

Em 1985, veio o aguardado álbum de estreia: ...undone. Com guitarras atmosféricas, uma sonoridade densa e introspectiva próxima de nomes como The Cure e Comsat Angels, o disco recebeu críticas elogiosas e alcançou o primeiro lugar nas paradas da revista College Music Journal (CMJ), nos Estados Unidos, feito nada comum para uma banda britânica com tão pouca exposição comercial. Mas a euforia logo deu lugar à frustração: no fim do mesmo ano, a filial britânica da A&M decidiu dispensar o grupo.

Em 1986, o The Lucy Show assinou com a Big Time Records, uma gravadora independente, e lançou seu segundo disco, Mania. Produzido por ninguém menos que John Leckie (futuro colaborador de nomes como The Stone Roses e Radiohead), o álbum marcou uma guinada sonora: guitarras acústicas, piano, gaita, sintetizadores e até metais passaram a fazer parte da paisagem sonora.  

O novo direcionamento trouxe frescor à banda e rendeu bons frutos novamente liderando as paradas da CMJ, e, pela primeira vez, ganhando espaço na MTV com o clipe da faixa A Million Things. Tanto ela quanto o single New Message se tornaram hits no circuito de rádios universitárias.

Mas a maré virou outra vez. A Big Time Records faliu pouco depois do lançamento de Mania, e a banda viu-se sem apoio. Barraclough e Hudspeth foram dispensados, e a dupla Bandola/Vandeven ainda tentou mais uma cartada: lançaram o single Wherever Your Heart Will Go em 1988, pelo obscuro selo Redhead Records. Sem repercussão, ambos decidiram encerrar de vez as atividades do The Lucy Show.

Com o passar dos anos, a banda passou a ser redescoberta por fãs de pós-punk e rock alternativo dos anos 80. Em 2005, Mania foi relançado em CD pelo selo Words on Music, com faixas bônus. Em 2009 foi a vez de ...undone finalmente ganhar uma edição em CD. E, em 2011, saiu Remembrances, uma coletânea com gravações raras e inéditas dos tempos áureos da banda um lembrete melancólico e poético de uma carreira marcada por belas canções e uma sequência de tropeços da indústria. 

Discografia 

Álbuns de estúdio

 ...undone   1985

     Mania    1986

Live, Bath, Moles Club  1987

Remembrances   2011

...Undone, Primary, 1 of 7

 

Henry’s Final Dream: Pós-punk Londres

Entre as inúmeras bandas que cruzaram os palcos universitários da Inglaterra nos anos 80, o Henry’s Final Dream talvez tenha sido uma das mais peculiares um grupo londrino de pós-punk que gravou apenas dois EPs pelo selo independente Eskimo Vinyl, mas deixou ecos suficientes para figurar entre os segredos mais bem guardados daquela era.

O nome da banda veio de uma combinação improvável e altamente simbólica: uma referência ao filme Eraserhead, de David Lynch, misturada a uma ilustração do livro O Homem e Seus Símbolos, de Carl Jung. Com essa bagagem conceitual, o som também não poderia ser óbvio.  

Paul Morley, crítico da New Musical Express, os definiu como “art-pop agitado com sax envolvente... melodias arejadas, letras autoconscientes como um Undertones precoce, mas pretensioso. Um dia podem ser sublimes.” Já o fanzine NMX, de Sheffield, escreveu com certa irreverência: “Soam como os Distractions chapados demais para tocar direito e passados por um fuzz-box. Eu gosto muito.”

A formação surgiu entre estudantes da Polytechnic of Central London no final dos anos 70. Peter Millward, que assumia vocais, guitarra e composições, liderava a banda. Ao seu lado estavam Martin Pavey (baixo), Tiffer Breakey (bateria) e Gary Bryson (sax tenor, harmônica e vocais ocasionais).

O embrião da banda foi um clube de apreciação musical criado por alunos, cujo objetivo era arrancar um trocado do sindicato estudantil para financiar cervejas. Mas a brincadeira ficou séria quando perceberam que poderiam faturar mais levando seu som indie anárquico para palcos reais.  

Com as 1 libra e 75 pence arrecadadas, entraram em estúdio no verão de 1980 para gravar o primeiro EP, Indian Summer. No início de 1981, veio o segundo lançamento, I Couldn’t Jump, que a revista independente Outlet, de Ilford, descreveu como “um tema assombrado com um solo de sax efervescente”. Já o St Alban's Review and Advertiser considerou o trabalho “divertido... acima da média em comparação com o punk rasgado que dominava a cena”.

Existe também uma raridade: uma gravação pirata do show do HFD no andar superior do lendário Ronnie Scott’s Club, em Londres, datada de 1981. Relíquia para os caçadores de obscuridades sonoras.

O destino levou os integrantes por caminhos distintos. Peter Millward vive em Hong Kong, onde comanda a Drum Music ao lado do parceiro Eddie Chung, e grava músicas sob o nome Celestial, que ele descreve com certa relutância como “asian dub”. Martin Pavey atua com produção musical e design de som no Reino Unido, Tiffer Breakey continua morando na Inglaterra, e Gary Bryson, agora jornalista e escritor, vive em Sydney. Seu romance Turtle foi publicado pela editora Allen & Unwin. 

Na trilha das bandas que passaram rápido demais pelos holofotes, o Henry’s Final Dream permanece como um sussurro cult nos corredores do underground britânico com saxofone distorcido, sonhos fragmentados e canções que talvez nunca tenham querido ser hits.

Discografia

Indian Summer – EP (Eskimo Vinyl, 1980)

I Couldn’t Jump – EP (Eskimo Vinyl, 1981) 

I Couldn't Jump, Primary, 1 of 4

The Magazine Spies- ( Segunda banda do Simon Gallup)

Poucas bandas encapsulam tão bem o espírito mutante e experimental do pós-punk inglês do final dos anos 70 quanto os Magazine Spies. Oriundos de Horley, uma pequena cidade no sul da Inglaterra, o grupo nasceu em 1979 das cinzas do Lockjaw uma banda punk local que já dava pistas de inquietude sonora. 

Em sua curta existência, os Magazine Spies (também conhecidos como The Magspies ou Mag/Spys, trocadilho com "magpies", as gralhas inglesas) serviram de elo entre o punk inicial e uma nova onda de atmosferas mais sombrias e introspectivas, além de serem o berço de futuros integrantes do The Cure e Fools Dance.

A formação original contava com o vocalista Gary Bowe, o baixista Simon Gallup, o guitarrista Stuart Hinton e o baterista Martin Ordish. Logo depois, juntou-se à trupe o tecladista Matthieu Hartley, figura-chave na transição do som da banda para algo mais melódico e climático. O grupo era gerenciado por Ric Gallup, irmão de Simon, e mantinha laços estreitos com os primeiros passos do The Cure  não apenas dividindo palcos, mas também circulando nos mesmos ambientes criativos e sociais. 

Foi por meio desse vínculo que os Magazine Spies acabaram gravando um single pelo selo Dance Fools Dance, criado por ninguém menos que Robert Smith, vocalista e líder do The Cure. Gallup e Hartley ainda participariam do efêmero projeto paralelo Cult Hero, onde Smith dava vazão a experimentações mais descompromissadas.

No final de 1979, a formação original do The Cure sofreu uma mudança significativa: o baixista Michael Dempsey saiu, e Simon Gallup foi chamado para assumir seu posto. Não só isso, foi ele quem sugeriu a entrada de Matthieu Hartley como tecladista, consolidando a sonoridade que marcaria o disco Seventeen Seconds (1980).

Sem Gallup e Hartley, os Magazine Spies seguiram adiante por mais algum tempo. Recrutaram Richard Kite para o baixo e adicionaram um segundo guitarrista, Stuart Curran. Com essa formação, chegaram a excursionar com o The Cure por Inglaterra e França, além de lançar mais um single em 1980. Algumas das faixas da banda reapareceriam décadas depois nas coletâneas punk England Belongs to Me, Vol II e Bloodstains Across the UK 2, ambas relíquias voltadas aos colecionadores e pesquisadores musicais. 

O fim veio ainda em 1980, mas o legado dos Magazine Spies se estendeu além do que muitos imaginam: em 1982, Gallup, Hartley e Curran uniram forças novamente para formar o The Cry, projeto que logo evoluiria para a banda Fools Dance, mais um capítulo obscuro e fascinante do universo pós-punk britânico.

Untitled, Primary, 1 of 7

Bush Tetras: O underground nova-iorquino

 Bush Tetras in Boston, 1980

Formado em 1979, o Bush Tetras surgiu das entranhas fervilhantes da cena pós-punk e no wave de Nova York. A formação clássica logo se consolidou com Cynthia Sley nos vocais, Pat Place na guitarra, Laura Kennedy no baixo e Dee Pop na bateria, embora, nos primeiros instantes, Adele Bertei e Jimmy Joe Uliana também tenham passado brevemente pela banda. Pat Place, aliás, já era figura emblemática: foi guitarrista fundadora dos Contortions, uma das bandas mais icônicas do movimento no wave, e também apareceu em filmes da artista Vivienne Dick.

O nome da banda nasceu da mistura inusitada entre dois seres que os membros achavam simpáticos: o bush baby (um pequeno primata africano) e o neon tetra (um peixe tropical de aquário). O resultado, "Bush Tetras", soava exótico, tribal, perfeito para o tipo de som que estavam prestes a lançar ao mundo.

O primeiro registro, o explosivo EP 7” "Too Many Creeps", saiu em 1980 pela 99 Records. A faixa-título se tornou um clássico imediato nas pistas alternativas, chegando ao 57º lugar na parada club play da Billboard. No ano seguinte, o EP "Things That Go Boom in the Night" saiu pela britânica Fetish Records e alcançou o 43º lugar no UK Indie Chart. 

Ainda em 1981, veio "Rituals", um 12” produzido por ninguém menos que Topper Headon, baterista do The Clash, o disco trazia a contagiante “Can’t Be Funky” e saiu tanto na Fetish quanto na Stiff Records, atingindo a 32ª posição nas pistas norte-americanas.

Em fevereiro de 1981, o Bush Tetras subiu ao palco do Rainbow Theatre em Londres para um evento documentado na compilação Start Swimming, da Stiff Records ao lado de nomes como Bongos, Raybeats e dBs, apresentaram uma versão de “Cold Turkey”, de Lennon, e a faixa “Punch Drunk”. Já em 1983, a ROIR lançou Wild Things, um registro ao vivo em fita cassete. 

Pouco tempo depois, a formação ruiu: Kennedy e Dee Pop saíram e foram substituídos brevemente, mas a banda acabou encerrando suas atividades. A ROIR ainda lançou em 1989 a coletânea Better Late Than Never, resgatando gravações de estúdio feitas entre 1980 e 1983.

Mesmo durante o hiato, o Bush Tetras seguia ecoando no underground. Suas faixas apareceram na trilha do filme experimental Cave Girls (1984), de Kiki Smith e Ellen Cooper uma obra turva e ruidosa, perfeita para o som dissonante da banda. 

O reencontro veio em 1995, com a formação original de volta à ativa. Dois anos depois, lançaram o álbum Beauty Lies e reeditaram as antigas gravações com os álbuns Boom in the Night (1995) e Tetrafied (1996). Em 1998, gravaram um novo disco com o produtor Don Fleming para a Mercury Records, o álbum, chamado Happy, ficou engavetado por anos após a venda da gravadora e só viria a público em 2012, pelas mãos da ROIR.

Apesar das  mudanças na formação, Julia Murphy assumiu o baixo em 1997, seguida por Cindy Rickmond em 2013 e Val Opielski em 2016, a banda seguiu viva, lançando o EP Take the Fall em 2018 pela Wharf Cat Records e o single “There Is a Hum” em 2019 pela Third Man Records. 

Em outubro de 2021, a banda sofreu uma perda irreparável com a morte do baterista Dee Pop. Pouco depois, saiu a caixa comemorativa Rhythm and Paranoia: The Best of the Bush Tetras, reunindo faixas essenciais e textos assinados por figuras como Topper Headon (The Clash) e Thurston Moore (Sonic Youth). No show de lançamento no Le Poisson Rouge, em Nova York, Don Christensen (produtor de “Too Many Creeps”) assumiu a bateria e RB Korbet estreou no baixo.

O tributo a Dee Pop continuou em março de 2022, com um show especial no Bowery Electric, onde Steve Shelley (Sonic Youth) participou na bateria. Já em abril de 2023, foi anunciado que Cait O’Riordan, ex-baixista dos Pogues, havia se juntado ao grupo.

Diante do exposto percebe-se que O Bush Tetras é mais do que uma banda, é um testemunho vivo da criatividade e da resistência do underground nova-iorquino. Com sua sonoridade rítmica e cortante, o grupo ajudou a moldar uma linguagem própria dentro do pós-punk. Ainda após décadas, suas batidas tribais e letras incisivas continuam reverberando em novas gerações. Aqui no Caverna Sonora, sigo escavando essas camadas esquecidas da história da música para manter acesa a chama do que realmente importa: a música que pulsa das margens. 

Discografia

Beauty Lies (1997) 

Happy (gravado em 1998, lançado apenas em 2012)

They Live in My Head (2023) 

Singles

Too Many Creeps / "You Can't Be Funky" (1980) 

Things That Go Boom in the Night / "You Taste Like the Tropics" (1981)

Can’t Be Funky / "Funk Dub" (1981) 

You Can’t Be Funky (Remix) (1982)

There Is a Hum / "Seven Years" (2019)

Somewhere A Voice

Ativa por um curto período entre 1980 e 1982, a SAV foi uma banda pós-punk baseada em Ealing, Londres, cujo único registro lançado em vida foi o álbum Love, Logic + Ego (1982). Pouco conhecida, a banda tinha um núcleo formado por Graeme Garlick (guitarra, vocais e composições), Hilary Dron (baixo e arte da capa) e Cyril Simsa (teclados). Apesar da origem londrina, os integrantes vinham de diferentes partes da Inglaterra: Graeme era de Manchester, Hilary de Liverpool e Cyril do norte de Londres.

O baterista David Jones foi recrutado exclusivamente para a gravação do disco, após a saída do baterista original. Curiosamente, nunca chegou a tocar ao vivo com a banda, embora entregue uma performance sólida em estúdio. 

Como era comum no espírito DIY do pós-punk, apenas Graeme tinha formação musical formal. Hilary era artista plástica e trabalhava como assistente em instituições culturais, além de fazer trabalhos de design. Cyril era um escritor iniciante e fazia bicos no Museu de História Natural e na Biblioteca Britânica, foi lá, inclusive, que ele e Hilary se conheceram e decidiram formar a banda.

Hilary nunca havia tocado baixo antes, e isso se reflete em sua abordagem bastante melódica e inventiva — muitas vezes dialogando com os vocais em linha paralela. Cyril, por sua vez, apesar de ter tido aulas de piano na adolescência, utilizava um sintetizador monofônico Roland, que não permitia a execução de acordes. 

O instrumento era usado para construir linhas melódicas e contra-melodias, com timbres cuidadosamente esculpidos e envelopes longos que se desvanecem aos poucos. Em algumas faixas, um velho piano elétrico foi incorporado como segundo teclado, preenchendo o fundo com acordes sustentados. 

A gravação do disco aconteceu graças a um contato inesperado: a irmã de Cyril trabalhava com Leo Feigin, então renomado produtor de jazz e fundador do selo Leo Records, conhecido por sua veia avant-garde. Buscando diversificar seu catálogo, Leo apostou na SAV, mas as vendas decepcionantes fizeram desse seu primeiro e último flerte com a música pop.

Foi também ideia de Leo trazer Seva, um expatriado russo ligado ao selo de jazz, para adicionar saxofone em três faixas do disco. A produção ficou a cargo de "Kim Lambert", pseudônimo de um engenheiro de som da BBC que trabalhava de forma paralela e preferia manter o anonimato parcial. Uma curiosidade digna de nota: a faixa Conscience (Lado B, faixa 4) traz ruídos de festa que, na verdade, são gravações de um hipopótamo no Mzima Springs, sobrepostas com uso de sampler retirado de um disco de efeitos sonoros um uso surpreendentemente precoce e experimental para a época.

Infelizmente, a banda não resistiu muito além do lançamento do LP e se dissolveu ainda em 1982. Graeme e Hilary chegaram a se envolver em outros projetos musicais, mas sem maior repercussão. Cyril acabou se mudando para Praga, onde vive até hoje, atuando como editor. Hilary voltou para Liverpool e tornou-se professora de artes. 

Graeme permaneceu em Londres. Love, Logic + Ego (1982) é um daqueles tesouros perdidos do underground britânico um disco que desafia definições fáceis e ecoa o espírito criativo e despretensioso do pós-punk em sua forma mais pura e pessoal.

Love, Logic + Ego, Primary, 1 of 2

segunda-feira, 21 de abril de 2025

The Mothmen: Da poeira de Manchester ao experimentalismo mutante

Em meio ao turbilhão criativo que varria Manchester no final dos anos 1970, Tony Wilson e Alan Erasmus, figuras centrais na fundação da lendária Factory Records, ajudaram a moldar um projeto inicialmente pouco comentado: The Durutti Column. Formado em 1978, o grupo reunia uma constelação de músicos que já circulavam entre as engrenagens da cena local, entre eles, os guitarristas Vini Reilly e Dave Rowbotham, o baixista Tony Bowers (ex-Alberto Y Lost Trios Paranoias), o baterista Chris Joyce e o vocalista Phil Rainford.

Após a estreia com duas faixas no compilado A Factory Sample, lançado naquele mesmo ano, o Durutti Column foi progressivamente se transformando em veículo quase exclusivo de Vini Reilly, com a saída de Rowbotham e Joyce. Foi justamente dessa dissidência que nasceu The Mothmen, projeto que manteve o espírito anárquico-experimental, mas com uma pegada mais abrasiva e fragmentada. Juntando-se a eles estava Bob Harding, também vindo do Alberto Y Lost Trios Paranoias. 

A formação inicial dos Mothmen era um verdadeiro caleidoscópio de talentos multi-instrumentistas: Joyce na bateria; Bowers revezando entre guitarra, baixo, voz, violino e percussão; Rowbotham entre guitarra e baixo; e Harding cuidando de baixo, órgão, guitarra, vocais e outras texturas percussivas. O primeiro registro saiu em 1979 pelo obscuro selo Absurd Records: o single "Does It Matter Irene?", um petardo lo-fi que prenunciava a liberdade estilística que viria.

No primeiro semestre de 1980, a banda gravou material suficiente para um álbum, mas esbarrou na ausência de um selo disposto a bancar o lançamento. Foi aí que entrou em cena o jovem e ousado Adrian Sherwood, recém-fundador da icônica On-U Sound, ainda nos seus primeiros suspiros. O disco Pay Attention! acabou sendo lançado em 1981 como o segundo LP do catálogo do selo.  

Curiosamente, apesar da conexão, Sherwood não participou da produção ou dos arranjos do álbum — seu único envolvimento direto com os Mothmen foi a mixagem dub da faixa "Afghan Farmer Driving Cattle", incluída na compilação inaugural da On-U, Wild Paarty Sounds Volume 1.Nesse mesmo período, Chris Joyce também integrou outro projeto da primeira geração da On-U, o obscuro London Underground, além de participar do álbum Pal Judy, da cantora Judy Nylon.

Pouco depois, os Mothmen deixariam a On-U para assinar com a Do-It Records. Com isso, houve mudanças na formação: Ronnie Hardman assumiu o baixo, enquanto Charlie Griffiths entrou com sintetizadores, substituindo Rowbotham. Essa fase gerou alguns singles adicionais e um segundo LP, One Black Dot, antes do fim definitivo da banda, em 1982. 

O destino pós-Mothmen levou Joyce e Bowers ao sucesso comercial: entre 1984 e 1989, ambos integraram a seção rítmica da primeira formação do Simply Red, alcançando fama global. A conexão com Adrian Sherwood ainda renderia frutos nessa fase, com o produtor assinando remixes nas versões 12" dos singles "Holding Back the Years" e "Infidelity". Já em 1997, Sherwood participou da releitura de "Night Nurse", clássico de Gregory Isaacs, regravado pelo Simply Red com produção de Sly & Robbie.

Infelizmente, a trajetória de Dave Rowbotham teve um desfecho trágico: o guitarrista foi assassinado em 1991. Já Tony Bowers divide hoje seu tempo entre a Itália e a Irlanda, envolvido em projetos musicais diversos. Chris Joyce mantém uma biografia detalhada sobre sua carreira, isto é, The Mothmen ao Simply Red no site do seu projeto educacional.

Discografia

"Does it Matter Irene" 7″ single ( 1979)
Pay Attention! album (1981)
"Show Me Your House And Car" 7" and 12" singles (1981)
"Temptation" 7" single (1981)
One Black Dot album  ( 1982)
"Wadada" 7" single      (1982)

 The Mothmen, Primary, 1 of 1